Me lembro claramente da corrida para o Oscar de 2015, no final do ano anterior já ouvia-se falar de Whiplash e O Grande Hotel Budapeste, produções que surpreenderam o mundo com a performance do estreante Damien Chazelle e a perfeição estética de Wes Anderson. Mas a briga na verdade sempre esteve entre o drama anti-blockbuster Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância) e outro pretensioso que havia sido filmado por doze anos. Acontece que o final de 2014 foi a época em que me mudei de cidade para estudar e por muitos anos Boyhood ocupou a posição de meu filme predileto. Richard Linklater havia mudado minha vida e a escolha da Academia foi sim, injusta.

Linklater é considerado por alguns apenas mais um diretor comum entre outros que entregam trabalhos muito “mais sérios” e por outros, um artistinha arrogante que só filma cena chata, não coloca um plot e onde apenas coisas desinteressantes são mostradas. Muitos questionaram o fato de meu filme predileto ser sobre um garoto vivendo a vida dele e fazendo coisas normais, mas é no comum em que Linklater se destaca. Os filmes dele não pretendem criar reações com plot twists absurdos ou criticar o cerne da sociedade, mas criar recortes de uma vida e da forma leve enxergá-la, parar para olhar as estrelas ou deitar na grama, uma paisagem bonita que valha a pena sentar um pouco para ver e claro, aproveitar o momento (ou deixar que ele nos aproveite).

Boyhood aproveita da delicadeza do diretor em filmar ao longo de doze anos com os mesmos atores para construir uma das melhores passagens do tempo da história do cinema. O tempo é a única coisa constante e linear e logo depois de algum acontecimento, possuímos apenas a memória para recorrer aos momentos que já passaram e às várias pessoas que um dia já fomos. Mais do que um garoto vivendo no subúrbio dos Estados Unidos, com problemas comuns, dramas familiares mundanos e preocupações de pré adolescente de primeiro mundo, Boyhood é um registro sobre como é crescer no século XXI, sobre os anseios de continuar seguindo os padrões de normalidade que nos segue.

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A sensibilidade para o mundano de Linklater pode ser observada nos seus outros trabalhos Dazed and Confused (1993) e Everybody Wants Some!! (2016), nos quais o diretor mostra, respectivamente, a juventude do colegial nos anos 70 e na universidade dos anos 80. Os desejos dos personagens são simples e por isso é fácil se identificar e torcer por eles. Geralmente refletem sobre o ambiente ao redor, ao tédio que tentam constantemente escapar por meio de objetivos humanos e maneiras auto conscientes de enxergar o mundo. Quando seus personagens entram em algum bar ou observam as estrelas no meio do campo de futebol, sentimos o mesmo impacto de grandes acontecimentos em outros filmes. Isso funciona porque Linklater explora as emoções por trás dos personagens, de modo que aquela experiência seja compartilhada. Tais emoções são sempre apoiadas pelos conflitos internos e externos (estes os quais o diretor faz questão de delimitar) dos personagens presentes e pela trilha sonora. As músicas presentes nos filmes de Linklater não estão lá por puro estilismo ou nostalgia, além do charme que elas dão às cenas, todas também interagem com a história que está sendo contada e com as emoções (internas ou externas) das personagens.

Para conhecer melhor o trabalho do diretor, é importante ressaltar a animação reflexiva Waking Life (2001) e a belíssima história de amor na “trilogia do Antes” (1995, 2004 e 2013). No primeiro, a animação experimental do diretor mostra recortes de uma crise existencial, onde diversos personagens discutem questões filosóficas, realidade, sonhos, consciência e o significado das coisas. Por discutir questões metafísicas, os animadores responsáveis não economizaram na exploração do formato, as pinturas feitas sobre os frames são maravilhosas e nesse filme, o diretor deposita seu talento para diálogos reais e profundos. Tais diálogos também são brilhantemente explorados em Before Sunrise (1995), Before Sunset (2004) e Before Midnight (2013), na história de amor perfeita (e imperfeita) de Jesse (Ethan Hawke) e Céline (Julie Delpy). A fim de evitar spoilers, cabe apenas apresentar a história do primeiro longa: Jesse viaja pela Europa em um trem e após um breve diálogo com Céline, ele sente que ambos possuem certo tipo de conexão e oferece para que desçam na próxima estação para passarem o dia juntos. O que à priori tinha tudo para ser mais um clichê romântico, se torna uma história completa de amor, onde cada nuance importa, seja pequenos olhares e movimentos dos personagens, tudo colabora para a construção dos sentimentos entre os dois personagens.

Seu próximo trabalho, Last Flag Flying, conta com Steve Carell, Laurence Fishburne e Bryan Cranston no elenco e tem estreia marcada para novembro deste ano.

Crítico mirim, desenhista amador, escritor júnior e futuro diretor (se tudo der certo).