Rap ou Hip-Hop é um dos mais populares gêneros musicais de hoje. Os maiores artistas de hoje são eles: Drake, Kanye West, Kendrick Lamar e outros. Ou estão no topo da Billboard, ou ganhando Grammys ou sendo aclamados pelos críticos. Mas o que há de tão diferente no Rap?

Neste texto, analisarei como funciona esse tipo de música, além de seus principais artistas e a sua evolução ao passar dos anos.

Primeiro precisamos saber como é o processo criativo dos músicos, como escrevem suas rimas. Pode se aprender muito sobre um rapper apenas pelo modo que ele rima em relação ao beat.

Rakim e Eminem descrevem o processo de escrita deles. O primeiro diz que começa colocando 16 pontos no papel, vizualizando 16 barras, espaços onde ele pode escrever o que quiser. Eminem também descreve algo parecido, o que ele chama de “sandwiching”, exatamente encaixar palavras entre as barras. Mas o que são beats e barras? Uma barra é um conjunto de 4 beats, enquanto beat é justamente a batida que traz ritmo e velocidade às palavras.

Para entender como isso funciona, podemos analisar uma das primeiras música de sucesso: The Breaks por Kurtis Brown.

Em 1980, a influência do funk, soul e gospel são claras. Mas além disso, é muito fácil perceber como sempre mudavam de verso quando a barra acabava, e nem sempre rimando junto com o beat. Além disso, o esquema de rimas era o de uma poesia simples. Sem jogo de palavras e nenhuma rima dentro dos versos.

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Agora, em comparação, 6 anos depois a música já é muito diferente. As rimas nem sempre são no fim dos versos, existindo rimas internas e multi silábicas. Por exemplo: Eric B. Is President, por Eric B. e Rakim.

Em negrito temos rimas internas, enquanto em itálico temos rimas multi silábicas.

But can you detect what’s coming next from the flex of the wrist
Say indeed and I’ll proceed cause my man made a mix
If he bleed he won’t need no band-aid to fix

Outra inovação feita por Rakim é a de rimar fora da barra. Como nesse verso:

Visualize os colchetes como o fim de uma barra.

[But he’s kicking it cause it ain’t no half stepping]
[The party is live, the rhyme can’t be kept in]side
[It needs erupting just like a volcano]
[It ain’t the everyday style or the same old rhyme]

E as letras são justamente sobre isso, já que a realmente a rima não fica dentro da barra.

Em 1997 uma série de inovações surge com Notorious B.I.G, que utilizou das técnicas de Rakim para criar coisas novas. Em uma das suas músicas mais aclamadas, “Hypnotize” isso é bem evidente.

A primeira grande diferença é o tamanho das frases, variando frequentemente entre curtas e longas. Considere o negrito curto e o itálico longo.

Dead right, if the head right, Biggie there ery’night
Poppa been smooth since days of Underroos
Never lose, never choose to, bruise crews who
Do something to us, talk go through us
Girls walk to us, wanna do us, screw us

Além disso, ele não mantém as rimas dentro das barras. As rimas estão riscadas.

Dead [right, if the head right, Biggie there ery’night][
Poppa been smooth since days of Underroos]
Ne[ver lose, never choose to, bruise crews who]
Do something to us, talk go through us][
Girls walk to us, wanna do us, screw us]

O terceiro diferencial é a constante troca de esquema de rima, mudando-o no fim dos versos.

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No entanto, biggie apenas usou rimas monosilábicas ou de apenas uma palavra. Algo que mudou mais para frente, em 1998.

As rimas da música acima, são em sua maioria de várias sílabas ou palavras.

Competition is mad, what I got, they can’t have
Sinking they ship, like Moby Dick, did Ahab
Son I’m way past the minimum, enter a millennium
Where cats will hold a gat to your back, like Palestinians
Ancient Abyssinian, sure to hold the Gideon
Official b-boy gentlemen, long term, never the interim

Apesar da inovação, na música de Mos Def, a rima é claramente junto com a batida. Foi Andre 3000 que mudou isso, no mesmo ano, em seu verso de Aquemini. Preste atenção no beat em relação à rima.

Rap não é só técnica, é uma maneira de contar histórias. Nem sempre tanta habilidade compensa se não existe mensagem. “Lose Yourself” do Eminem não foi a primeira música de Hip-Hop a ganhar um Oscar por acaso. O diferencial de um artista como Marshall Mathers é rimar enquanto se conta uma história.

Nos dias de hoje, Kendrick Lamar segue a tradição de inovar nas rimas e contar as histórias.

Criando um dos melhores álbuns do ano passado: “To Pimp a Butterfly”. Sendo aclamado até mesmo por Obama, que confessou ser um fã e disse que sua favorita é “How Much a Dollar Cost”, um rap que na verdade é um diálogo entre Kendrick e um mendigo.

Outro artista que segue criando novas formas de contar histórias é J Cole, que de forma semelhante, toca no assunto aborto por meio de sua música “Lost Ones”. Uma discussão de um casal, na qual ele canta as falas do homem e da mulher.

Até mesmo álbuns inteiros servem como histórias, como Logic fez, ao criar uma história de ficção científica em “The Incredible True Story”.

O gênero é perfeito para ser explorado, por isso sempre surgem artistas criativos como Childish Gambino e MF Doom, usando da música até mesmo para criar humor.

Eis alguns exemplos de versos de Gambino:

“I am runnin’ this bitch, you are just a dog walker”

“Took the G out your waffle, all you got left is your ego”

“My dick is like an accent mark, it’s all about the over E’s”

Já MF Doom (ou Madvillain) inova ainda mais, aproveitando dos estereótipos do rap para iniciar um novo esquema de rima.

Last wish: I wish I had two more wishes
And I wish they fixed the door to the matrix, there’s mad glitches
Spit so many verses sometimes my jaw twitches
One thing this party could use is more… booze
Put yourself in your own shoes

No momento em que ele usa “booze” é esperado “bitches” devido ao que é criado por rappers mais genéricos. Ao usar “booze”, ele cria o humor e ainda segue no verso seguinte para o novo esquema, rimando com “shoes”.

Por artistas como esses que o Hip-Hop se tornou tão grande quanto é hoje. O futuro do gênero só se torna mais promissor, devido à referências como essas aos futuros músicos, além de o rap em si já ser versátil para mudanças e inovações.

 

Viciado em games, viciado em futebol, viciado em cinema, viciado em séries e viciado em drogas pesadas: leite, glúten e anime.