Bugigangas que prometem ao seu colecionador todo o glamour da Ilha de Caras (45 peças exclusivas). Imagens estampadas em canecas, malas, mochilas, acessórios Pet, cangas, camisetas, estatuetas, e muito, muito mais. Parceria com a construtora Mendes Sibara que irá utilizar seus traços coloridos na fachada de um empreendimento imobiliário em Santa Catarina. Guia Turístico “Cultural” de Miami. Retratos de celebridades da literatura, cinema, música, futebol e política, representados com as mesmas cores alegres e imagens inconfundíveis. Mais de 64 “instalações” espalhadas pelo mundo, incluindo aeroportos.

De que “artista” estamos falando? Romero Britto, considerado o criador do “fast-food” das artes plásticas. Odiado pelo meio artístico e intelectual, amado pelo grande público da cultura de massa.

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Como professor de Fundamentos da Comunicação e de Semiótica, poderia utilizar os conceitos básicos da Teoria da Informação (Originalidade, Redundância, Previsibilidade, Campo Repertorial, Entropia, Audiência: meus alunos sabem do que estou falando), para justificar minha rejeição aos “produtos” criados por este “artista”. Utilizo as mídias sociais, principalmente o Facebook, para enunciar, ironizar e provocar os meus amigos virtuais, denunciando o meu desafeto por este tipo de obra-produto; neste sentido, minha última postagem foi a foto de uma vitrine do Shopping Higienópolis que continha as “fofuras” criadas por Romero Britto. Minha chamada: “Pensando em presente pro dia das mães?”. Confesso que me diverti muitíssimo com os comentários (também irônicos), principalmente dos alunos-amigos que passaram por minhas aulas.

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Não podemos esquecer que estamos numa sociedade democrática e, em se falando de gosto estético o conceito de democracia se dilata ainda mais. Respeito aqueles que apreciam as criações do artista. E, novamente como professor, inspirado pela frágil e apelativa matéria “Odiar Romero Britto é fácil”, publicada na Ilustrada da Folha de São Paulo de 03 de maio, enumero, uma tentativa de explicar a minha implicância com as Representações Visuais deste artista plástico:

1 – Romero Britto diz que “cria imagens de amor e esperança”. Suas “imagens” tendem a redundância, sem promover renovações da sensibilidade estética. Homologa o que já foi assimilado, acaba por desenvolver funções meramente conservadoras e anestesiantes em suas criações.

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2 – Suas “obras” colocadas dentro de um circuito comercial estão sujeitas à “lei da oferta e da procura”, e dão ao público, portanto, somente o que ele quer, ou o que é pior (como alerta Umberto Eco), seguem as leis de uma economia baseada no consumo fácil e imediato: visa somente o lucro e não oferece questionamentos, não gera o pensar, não provoca nenhum esforço por parte de seu fruidor; o pensamento é condensado em uma única fórmula. (Em 2013 faturou 235 milhões de reais).

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3 – Romero Britto se autodenomina como uma artista Pop, mas ao contrário de Andy Warhol, só repete sua fórmula do lucro fácil e não questiona o “status quo” da própria Arte, como fez o principal artista da Pop Art. O mais irritante e perigoso: as criações de Romero Britto representam uma visão “cor-de-rosa” e passiva, para não dizer acrítica, do “mundo real” em que vivemos, desencorajando o esforço pessoal de seus espectadores-consumidores na construção de uma nova experiência estética, que gere o alargamento de seu repertório. É sempre o mais do mesmo: os signos criados por Romero Britto empenham-se unicamente a despertar o nível superficial da nossa atenção. Ou como costumo brincar com meus alunos: “É muito Digital”. Analogia zero.

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Eu poderia continuar a enumerar meus argumentos, mas para não ser muito radical e ser julgado como elitista, amenizo meu discurso provocativo e termino com poesia, talvez a mais forte e verdadeira manifestação dos sentimentos humanos. Em “Procura da Poesia”, Drummond fala dos poemas e das palavras, mas poderia estar falando da Arte. Não da arte fácil, mas daquela que provoca e pede pela participação do espectador em sua decodificação (a chave está na percepção de quem interpreta)… Um mergulho num rio difícil e silencioso. Mas necessário.

“Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.”

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João Carlos Gonçalves (Joca)

Doutor em Linguagem e Educação pela USP; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada na ESPM.

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