A trilogia do Batman de Christopher Nolan é uma das, se não a mais, aclamada dentre os filmes do gênero de super-heróis. Desde o início, ficou claro que ela teria uma abordagem diferente, de uma forma mais dramática, filosófica e cheia de questionamentos. Cada filme aborda perguntas diferentes dentro de um mesmo universo: a cidade de Gotham. Além de um tema principal: é possível uma sociedade sem violência?

O canal Wisecrack fez uma análise da série por completo, como parte de sua série “A Filosofia de Christopher Nolan”, apresentando as semelhanças e a progressão em cada filme – todos baseados no conceito de Mimese de René Girard, a imitação.

Pela forma em que o vídeo apresenta seus argumentos, parece evidente que o diretor pensou nesses aspectos quando estava criando o filme, fazendo algumas referências ao assunto em diálogos e outras formas. Basicamente, Girard reconhece de que a causa para muitos dos problemas da sociedade é a imitação. Uma pessoa copiando os hábitos, costumes, itens de outra pessoa, criando desejo, depois competitividade e gerando o que ele chama de vingança mimética. Os filmes da trilogia tratam do ciclo que isso causa (ou não), questionando se é possível viver em paz como sociedade.

Batman Begins

No primeiro filme da trilogia, a ideia de Mimese é mais presente em relações individuais dos personagens, especialmente no próprio Cavaleiro das Trevas, o Bruce Wayne. Quando era apenas um garoto, ele perde seus pais por uma questão de Mimese de um ladrão comum, que desejava a riqueza da família Wayne. Isso faz com que Bruce queira se vingar, ou seja, copiar os atos do assassino de seus pais – mas sua motivação acaba se transformando enquanto ele fica fora de Gotham. Decidindo então, enfrentar seus medos, e copiá-los para fazer algo bom – surgindo assim o Batman. O maior símbolo de justiça, um símbolo que possa ser copiado por todos – talvez o único modo de trazer paz para a sociedade.

O Cavaleiro das Trevas

No segundo filme, o foco individual é substituído por um foco na comunidade, na cidade de Gotham em um momento de crise. Nessa ocasião, os cidadãos precisam de uma referência para copiar, alguém que os inspire a mudar e transformar a cidade. Nesse caso, temos 2 referências: Batman e Harvey Dent, ambos lutam pela justiça, um com as próprias mãos e o outro com a lei. Mas as estratégias de ambos para combater o crime, acaba trazendo o Coringa para o lado da Máfia, alguém que se alimenta do medo de Gotham. Eis então que surge o único método de trazer paz para a sociedade de acordo com Girard: um bode expiatório. A ideia é culpar uma única pessoa pelo caos, sacrificando-a e trazendo paz temporariamente. Obviamente a situação de Gotham não é culpa de uma única pessoa, por isso é uma questão de tempo até a ilusão se quebrar.

No entanto, existe uma forma de de manter essa paz (talvez), que seria sacrificar alguém visto como um Deus, alguém que rejeita a violência. Criando assim, um tipo de Mimese diferente, na qual as pessoas copiariam a não-violência. Em Cavaleiro das Trevas, quem pode ser essa pessoa é Harvey Dent, algo que o próprio Batman reconhece: “você é o símbolo de esperança que eu nunca poderei ser”. Mas quando o Coringa o corrompe, a única opção é voltar ao ciclo e trazer paz temporária ao usar Batman como o culpado, como o bode expiatório. Enquanto Harvey continua como um símbolo após sua morte.

O Cavaleiro das Trevas Ressurge

Para finalizar a trilogia, Nolan trata do tema principal da série: se é possível acabar com o ciclo de violência. Portanto, logo começamos em um tempo de relativa paz em Gotham. Mas, após o “sacrifício de Harvey” e o ataque ao Batman, a verdade é exposta por Bane – quebrando a ilusão do bode expiatório e retornando a violência. Dessa forma, a volta de Batman é necessária para o futuro de Gotham. Algo que é feito de uma forma espetacular, com uma clara metáfora de seu renascimento quando ele escala a fossa em que está preso. Agora que ele está de volta, como se fosse um Deus, será que ele pode parar com ciclo?

O filme nunca responde isso, pois o próprio Girard não tem certeza de que isso iria realmente funcionar. Batman volta como um Deus, salva a cidade e é “sacrificado” no processo. Uma estátua é criada em sua homenagem, Gotham parece estar finalmente em paz. Mas em nenhum momento fica claro se o ciclo irá retornar, se a ilusão será quebrada, por ser baseada em uma mentira: Bruce Wayne está vivo afinal. Além disso, ele até mesmo tomou precauções caso tudo ocorra novamente – passando seu legado para Robin.

Por isso, no fim das contas, Nolan nunca responde os grandes questionamentos que fez na trilogia – mas apresenta possibilidades. Retratando muito bem problemas sociais, enquanto não se ousa a criar soluções, criando a melhor a melhor trilogia de um super herói no processo.

 

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