Sentada em sua bergere, livros à volta, laptop aberto, janela à frente, ela mais uma vez se perguntava o que não compreendia. Passou a vida tentando responder e se esqueceu de viver. Mas nem agora, lúcida, forte e extremamente inteligente, conseguia realizar que a resposta estava na sua atitude diante dos fatos e da própria vida. Na esperança de que a antevisão pudesse protegê-la, orientava sua atenção para os sinais prévios do inesperado.

Ironicamente, era forte. Mas temia a dor… porém, quem gostava? Era absolutamente perspicaz, mas não percebia que estar viva era um risco e que lidar com as situações não significava amaldiçoa-las. A energia é um rodamoinho. Se falar do mal, é o imã que ele espera para se aproximar de você. E assim ela sempre viveu. Com o amor mais profundo e sincero do mundo, e com o maior medo de sofrer por ele. Doeu-lhe, sim, a vida. Dor não se compara, se guarda. Entretanto, que vida já não teve lá a sua dor?

A dor que sentira na perda das pessoas amadas era insuportável, ainda hoje, tantos anos depois. Fosse culpa, talvez, por sua inteligência privilegiada não encontrar forma de preservar esses amores. O fato é que não via sentido no ter e perder. Seu coração latejava ante a falta do afeto, do afago, do afã de quem amava, das bocas beijadas, das mãos carinhadas, dos cheiros dos jantares, dos sons das conversas entabuladas ali naquela mesma sala, anos antes, no apartamento recém comprado, naquele bairro de Higienópolis. Era essa a idiossincrasia que não compreendia… vida e morte, ter e perder, amor e distância. Tivesse ela duzentos anos, não compreenderia. Ou melhor não aceitaria. Por isso, preferia ficar cercada por seus livros, onde a vida permanecia num eterno durante. E seus personagens podiam ser tocados na textura das páginas, para sempre. Vidas, caminhos, gentes. Para sempre. Sem surpresas, sem dor, sem adeus, sem respostas.

Irônico mesmo era ela não perceber a brisa que invadia sua sala todas as tardes. A brisa das janelas abertas para a Praça Villaboim. A brisa que roçava a pele de seu rosto como um carinho, há tantos anos. E que nesta brisa havia um toque do eterno, que trazia cada mão e cada amor de sua vida. Numa eterna relação de continuidade, proposta maior do que se constrói em vida. E que ela não poderia ver pela razão, somente sentir se estivesse aberta, inclusive à dor.

Na brisa da Praça Villaboim, seu passado, seu presente e seu futuro. Ou achava ela que a eternidade nos tocaria de outra forma?

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Paulo Cunha

Experiência profissional como: publicitário em agências de propaganda (22 anos), docente (15 anos) e psicanalista (dois anos). Doutorando em Comunicação pela ESPM-SP. Formação em Psicanálise pelo CEP (Centro de Estudos Psicanalíticos). Mestre em Comunicação. Especialização em: Formação de Professores para o Ensino Superior em Marketing. Graduação em Comunicação Social. Áreas de pesquisa: pensamento estratégico, comportamento humano e cinema. Autor do livro “O cinema musical norte-americano – história, gênero e estratégias da indústria do entretenimento” e Coordenador do curso de Comunicação Social da ESPM/SP.

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