Não é incomum ouvirmos por aí o ditado de que uma imagem vale mais do que mil palavras. Faz sentido: a quantidade de informação visual em uma foto pode preencher livros e livros. As roupas de quem nela aparece dão indícios de nacionalidade, religião, classe social.

As feições, de etnia, clima, idade, histórias de vida. Até mesmo o cenário, sejam plantas, o céu, água, casas ou o próprio chão.

Em resumo: uma fotografia conta uma história inteira, capturando a luz de alguns centésimos de segundos em papel (hoje em bytes).

O caráter mais impressionante da fotografia, ponto que abalou o mundo da pintura quando a tecnologia fotográfica foi sendo descoberta, é sua força como memória.

Tal qual acessamos nossa memória em busca de nossas próprias experiências, acessamos com uma fotografia uma gama de experiências que se criaram fora de nós e por vezes advindas de locais distantes ou desconhecidos.

A fotografia permite que a memória se torne algo coletivo; o leque infinito de experiências possíveis a que damos o nome de mundo passa a ter uma interface com a nossa percepção por meio das fotografias que encontramos.

De um lado, torna-se possível a identificação de processos pelos quais a raça humana como um todo passa, movimentos de milhares ou milhões de pessoas que de outra forma não seriam percebidos em sua totalidade.

Por outro lado, esse conhecimento de acontecimentos ao redor do mundo, aliado a nossa natural tendência a apreender apenas as experiências negativas, trouxe todo o sofrimento do planeta à porta de nossa casa.

O mundo é um lugar em constante conflito, a espécie humana não é daquelas que convive pacificamente com si mesma ou qualquer outra e isso fica cada vez mais evidente quanto mais informação temos acesso.

Tomando a liberdade poética devida, pode-se reformular o ditado do início: uma imagem vale mais do que mil lágrimas.

E nesse final de semana fomos lembrados disso.

syria

Essa fotografia viralizou neste final de semana. e você deve te-la visto. A criança, símbolo da inocência, levanta as mãos aos céus em sinal de rendição e também dessa inocência, ao confundir a câmera com uma arma.

Esse cruel choque da pureza infantil com o horror inimaginável da guerra, expressos em um gesto e um olhar apenas, tornam essa fotografia, tirada em 2012 pelo jornalista turco Osman Sagirli, poderosa. Em meio a notícias chocantes e estatísticas mórbidas, esquecemos que tudo isso envolve a vida de seres humanos assim como nós.

A força dessa imagem talvez seja justamente isso: nos lembra que somos humanos. E com isso recebemos todo um conjunto de características que tentamos não pensar.

Essa não é a primeira vez e nem será a última que isso acontece: enquanto guerrearmos haverá histórias como essa. E não há indícios de parada.

Um bom exercício para entender  poder da fotografia é uma análise de imagens ganhadoras do prêmio Pullitzer, um dos mais respeitados na área. É uma experiência difícil: fazer parte do grupo de pessoas que deixou de ignorar a maldade como parte da natureza humana dói.

A grande maioria dessas fotografias foi motivo de amargo arrependimento por parte dos fotógrafos ganhadores. Sendo um fardo impossível de suportar em alguns casos.

Vietnam Napalm 1972Bem mais gráfica do que a foto de 2012, o retrato da menina Kim Phuc queimada e fugindo das bombas de napalm rendeu a Nick Ut o prêmio em 1973. A fotografia serviu para selar a condenação mundial à guerra e, felizmente, teve um final feliz: Phuc hoje mora no Canadá, é casada, tem filhos e trabalha como Embaixadora da Boa Vontade na ONU.

Reuters won the Pulitzer Prize for breaking news photography on Monday for a picture of a Japanese videographer killed during a demonstration in MyanmarAlgumas fotografias não precisam de violência gráfica para contar uma história aterrorizante. Clicada por Adrees Latif em 2008, a fotografia retrata os últimos momentos do jornalista japonês Kenji Nagai, baleado durante protesto em Mianmar. A obstinação em continuar filmando até todas as suas forças se esvaírem é incrível.

JAMES MEREDITH

Nem todas as fotografias são de Zonas de Guerra. James Meredith foi um ativista pela igualdade de direitos civis entre negros e brancos nos EUA, foi baleado nas costas com chumbo de caça durante uma passeata em 1966. Apesar de ferimentos da nuca às nádegas, nenhum estilhaço atingiu seus órgãos vitais. Rendeu a Jack Thornell o prêmio em 1967.

Mas talvez nenhuma história seja mais digna de nota do que a da foto ganhadora do Pullitzer de 1994:

pullitzer 1994

Tirada em 1993 próximo aos campos de refugiados de um dos países mais violentos da África até hoje, o Sudão. A fome é algo quantificável, mas a morte que dela decorre não é passível de ser traduzida em números. A fotografia apresenta a situação de milhões com que países e ditadores são condescendentes há séculos de uma forma que não deixa dúvidas para ninguém.

O fotógrafo Kevin Carter foi procurado por praticamente todos os veículos de comunicação do mundo quando a foto saiu na imprensa. Além de ovacionado pela qualidade histórica da foto, era também constantemente questionado da situação da criança: o cenário de morte parecia ser reversível e o papel do fotógrafo poderia ser fundamental nisso.

Carter não sabia responder. A culpa e a dúvida foram tão intensas que poucos meses após receber o Pullitzer em 1994, o fotógrafo tirou a própria vida.

Essas fotografias nos mostram um lado da condição humana que passamos cada segundo do dia a dia tentando esquecer. E ter contato com ele pode ser demais para as frágeis estruturas em que nos apoiamos.

Minha barba. Minha vida.