#Contos por Ian Perlungieri

Lá estava eu, sentado, no sacode-sacode monótono daquele trem.
Voltava olhando a paisagem pela janela. Escuro. Silhueta de algumas árvores, a sombra de uma pessoa andando na rua que havia ao lado dos trilhos, um cachorro solitário, bem, pelo menos parecia um cachorro. Poderia ser um gato ou uma ratazana ou um gambá, entretanto, lá estava um animal solitário.
Enquanto isso, dentro do trem, eu estava sozinho. Trem amedrontador e silencioso, tirando o monótono sacode-sacode.
Não havia ninguém no vagão em que eu estava. Apenas eu e minha inseparável mochila. Digo inseparável porque realmente era. Lá dentro estavam alguns tesouros. A própria mochila já era um tesouro. Presente da minha avó que já descansa em paz, alças em excelente estado apesar de já possuir certo tempo de vivência comigo, além de uma capacidade surpreendente de carregar coisas. Juro! Ela carregava muitas coisas. 
Dentro dela havia uma foto minha com a minha esposa. No fundo da foto o colorido de um quarto de bebê. Desde que minha esposa morrera no parto juntamente com minha filha, aquela foto ia para qualquer lado que eu fosse.
Havia mais uma foto. Eu e meu irmão mais velho, abraçados e sorrindo. Eu, criança, segurando uma bola de futebol. Nós dois sujos de barro. Ele teve uma discussão séria com o meu pai a respeito de sua opção sexual. Meu pai o expulsou de casa e eu nunca mais o vira. Sinto falta dele. É a única lembrança que eu tenho dele.
Também havia uma marca de lábios em um pequeno cartão. O cartão de meu novo grande amor. Após perder minha esposa fora uma das primeiras pessoas que me fez sorrir. Uma pequena brincadeira da terapia em grupo. Entregar um cartão com uma mensagem de felicidade para as outras pessoas que participavam. E ela me enviou esta mensagem. Uma marca de lábios. Ela entregou na minha mão, rindo, alegre, fazendo com que eu sorrisse para ela depois de muito tempo sem dar um sorriso.
Havia também um bicho de pelúcia. Um pequeno urso rosa sem um dos olhos e sem uma das orelhas. Enquanto eu chorava do lado de fora do hospital após saber que minha esposa havia falecido, uma menina de rua me dera este urso.
Compaixão humana. Uma menina que tinha menos que eu, uma menina que cedeu o que era importante para ela para que eu me alegrasse um pouco. Sorri para ela. Abracei-a. Chorei nos seus ombros. Nunca soube o nome dela, mas tenho o urso até hoje.
Lá estava eu e minha mochila e o sacode-sacode diminuía ao aproximar-se da estação. O silêncio do trem prosseguia. Amedrontador a solidão de um vagão vazio.
Levantei-me. O trem para e a porta abre automaticamente não sem antes a voz eletrônica dizer para que, quem quer que descesse, tomasse cuidado com o vão entre o trem e a plataforma.
Ignorei o aviso e a porta abriu. Não havia plataforma. Havia apenas o vão. Um buraco sem fundo e escuro. Assustador. Mortal. Perguntei-me como era possível não haver plataforma.
Um vão. Fundo. Sem vida. Sem esperança.
Mas eu tinha esperança. Dentro da minha mochila. Meus tesouros e minhas esperanças.
Tudo isso aconteceu em alguns segundos, logo, o apito começou a tocar indicando que a porta automática se fecharia. Algo deveria ser feito. Era a estação terminal e quem sabe para onde iria o trem?
Choro. Lágrimas amargas escorrem em meu rosto, porém, algo muda. Vejo a plataforma, distante, a alguns metros do trem. Entre eles, o vão sem fim.
O apito continua a tocar.
Continuo a chorar. Minha mochila me consola. É um apoio. Algo muda. A plataforma está mais próxima. Não muito, porém mais próxima. A porta automática começa a fechar e, desesperado, pulo.
Caio no vão.

Acordo ao bater a cabeça no vidro da janela do trem. Lá estava eu, cercado por pessoas que dormiam acordadas naquele vagão. Olhos que focavam o infinito, pessoas que dormiam em pé, entretanto havia algum barulho de conversa, comentários de uma velha sobre a grande quantidade de pessoas no trem daquela noite, bêbados que cantavam sozinhos.
Olho para a paisagem. Escura, sombria… Exatamente como no meu sonho.
E, como no meu sonho, sentia-me solitário, vazio naquela monotonia.
Entretanto percebo que furtaram minha mochila. Minha companheira. Meus tesouros. 
Choro, mais sozinho do que nunca. Mas nada muda, nem ninguém me consola. O sacode-sacode monótono do trem não para.
Após chorar bastante, os olhos que antes olhavam para o infinito focam-se em mim e desconhecidos me olham com desconfiança. Ignoro-os.
Tento voltar a dormir para reencontrar minha mochila, porém chega na estação que desço. Minha tentativa de dormir novamente foi em vão.

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Meu nome não é Alex DeLarge, nem Tyler Durden, nem Mort Rainey. Nunca me chamaram de John Keating. Não sou Ed Bloom, nem Joel Barish. Scott Pilgrim, Carl Allen, Bruce Wayne, Rainer Wenger. Nenhum destes é meu nome. Sou apenas uma peça de um tabuleiro.