Quando comecei como redator, o departamento de Criação era o mais cobiçado e também o mais inacessível dentro das agências de propaganda. Ganhava-se bem – um sênior levava pra casa um carro popular por mês, fácil, fácil. (Inclusive, certos redatores e diretores de arte ganhavam mais que o próprio diretor de criação.) Trabalhava-se menos, em relação aos dias de hoje. Uma dupla de criação tinha sete dias para criar um único anúncio. Para uma campanha nos davam 20 dias, e a gente ainda chiava com o prazo. Viradas noturnas só no bar das imediações, onde o departamento inteiro se reunia após o expediente. Todo mundo saía às seis, seis e meia da tarde. Quem trabalhava aos sábados e domingos era tido como meio fraquinho, pois não conseguia segurar a onda durante a semana. Aquela vida criativa acabou-se. Tempo bom.
Sou da época em que o iniciante ia pedir estágio sem portfolio. Os caras eram avaliados mais pela conversa, pela intuição e pelo (ainda!) infalível QI. Hoje, candidato a estagiário tem de ter portfolio, e dos bons. Há um paradoxo. Ele fica por conta dos profissionais que se saem com esta máxima: “precisa ter portfolio para entrar numa agência, mas você só vai fazer um depois de estar já contratado.” Muitos candidatos estão sendo despachados assim, na maior cara de pau. Esses tais profissionais, com o poder de contratar, se esquecem que um dia também tiveram de pedir estágio. Agem como quem desrespeita o pedestre no trânsito esquecendo que também são pedestres.
A profissão como um todo mudou. Mas continua a mesma. Dá pra entender? O glamour de outrora deixou de existir. Ganha-se menos hoje. Trabalha-se mais. E quem se atrever a sair em horas de sair, terá vida curta na agência. Mas são os sinal dos tempos, da concorrência bruta e muito maior que o mercado de trabalho comporta.
Mas na essência a Criação continua a de sempre. Com angústias, pretensões, desenganos e alegrias ainda estão por aí. A qualidade é que anda meio estranha. Simples, a razão. Não há tempo hábil para um profissional decente criar com qualidade. A coisa vai-que-vai meio que chutada. Não é preciso frequentar um departamento de Criação de uma agência para constatar que a mediocridade anda à solta. Basta abrir uma revista, ligar a TV, navegar na Internet, entrar num supermercado ou, simplesmente, abrir a porta de casa e sair para a rua. A propaganda medíocre sempre foi a mais numerosa. Mas já está na hora de acontecer algo mais refrescante. Só assim virão melhores condições de trabalho, o devido reconhecimento do mercado e aquele carro bacana todo o mês.
Com a palavra (e a vez) dos alunos do Curso de Criação da ESPM.