“Se não conflitássemos com a dúvida, não encontraríamos a verdade.”
(Charles Sanders Peirce)

“Passa uma borboleta por diante de mim

E pela primeira vez no Universo eu reparo

Que as borboletas não têm cor nem movimento,

Assim como as flores não têm perfume nem cor.

A cor é que tem cor nas asas da borboleta.

No movimento da borboleta o movimento é que se move,

O perfume é que tem perfume no perfume da flor.

A borboleta é apenas borboleta

E a flor é apenas flor.”

(Fernando Pessoa)

Vivemos em um mundo onde a incerteza impera. Nos dias de hoje, chegar a uma afirmação categórica e absoluta sobre determinado assunto está cada vez mais difícil, para não dizer impossível. O certo e o errado, o concordar e o discordar parecem faces de uma mesma moeda.

Semana passada um debate “quebrou a internet”. O assunto não era sobre política (os confrontos Ucrânica-Rússia ou Palestina-Israel; a crise econômica brasileira em tempos de escândalos e denúncias de corrupção; o estado islâmico destruindo ancestrais obras de arte do império assírio), mas a discórdia sobre a cor de um vestido.

Tudo começou quando Caitlin McNeill, uma cantora escocesa, publicou via Tumblr a foto da referida peça, perguntando qual seria a sua cor: azul e preta ou dourada e branca. No mesmo dia, o artigo no Buzzfeed que tornou a foto pública registrou 16 milhões de acessos, fazendo com que o site suspendesse temporariamente a publicação de novos textos para não comprometer o sistema. Para se ter uma noção da audiência da publicação, no twitter foram 11 milhões de mensagens em menos de um dia, com picos de 11 mil tuítes por minuto. No facebook a mesma repercussão.

Tudo se explica de modo científico: ao analisar o vestido no site da marca (a rede de lojas britânica Roman Originals) ou até mesmo nas vitrines é possível comprovar que, na realidade, ele é azul e preto. Mas a confusão se origina, pois o cérebro humano interpreta as informações dentro de um contexto e faz ajustes de cor de acordo com a iluminação.

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Para nós que estudamos Comunicação Social, estamos diante de um fenômeno interessantíssimo. Para os meus alunos de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada: uma aula de Teoria da Informação (Entropia, Campo Repertorial, Audiência, Informação Estética e Cultura das Midias) e de Teoria da Percepção (Peirce e as Categorias do Pensamento: Terceiridade (Razão) x Primeiridade (Emoção) e as Inferências Associativas: Dedução, Indução e Abdução. A tarefa da atenção é iluminar a sensação.)

Mas, vejamos os resultados do “Enigma”:

As vendas do vestido sensação, nos dois dias pós “divulgação” na Internet, cresceram 347% e o site da marca registrou mais de 1 milhão de visitas. Com o sucesso em torno da polêmica, a loja já planeja oferecer a versão branca e dourada da peça.

Marcas aproveitam a polêmica e utilizam as redes sociais de forma original e criativa. Samsung, Gillette, Chery, Trident e Lacta, entre outras empresas, tiram partido da história para promover seus produtos. Instigante exercício de oportunidade mercadológica.

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O Facebook foi invadido por divertidos e provocantes memes que ilustram os conceitos de Paródia, Ironia, Paráfrase, Estilização, Apropriação, ou seja, uma aula de Linguagem e Persuasão.

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O mais interessante disto tudo e como conclusão reflexiva: uma fotografia é somente uma leitura possível e muito particular que um equipamento (celular ou câmera fotográfica) faz da realidade (ou semioticamente: estamos diante de uma representação ou um signo icônico e não diante do Real-Objeto Imediato) e, por fim, o mais instigante: não vemos somente com os olhos, mas é o cérebro quem vai entender ou processar aquilo que olho vê.

Marleau-Ponty em sua Fenomenologia da Percepção, poeticamente, já nos ensinou: “Eu, que contemplo o azul do céu, não sou diante dele um sujeito acósmico, não o possuo em pensamento, não desdobro diante dele uma ideia de azul que me daria o seu segredo, abandono-me a ele, enveredo-me nesse mistério, ele “se pensa em mim”, sou o próprio céu que se reúne, recolhe-se e põe-se a existir para si, minha consciência é obstruída por esse azul ilimitado.”

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João Carlos Gonçalves (Joca)

Doutor em Linguagem e Educação pela USP; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada na ESPM.

Os colunistas do Newronio são professores, alunos, profissionais do mercado ou qualquer um que tenha algo interessante para contar.