Independente da qualidade técnica, efeitos especiais e do sucesso de público, uma constatação feita por Patrick Willems é a mais pura verdade: os filmes da Marvel são feios. Não importa quem chamem para dirigir, escrever ou atuar, a falta de preocupação do estúdio cinematográfico com a estética é evidente e a sensação de estarmos constantemente assistindo tons de cores que variam do bege apático para o cinza concreto é real.

Contrastante com a ação e empolgação que os filmes apresentam, as cores são extremamente chapadas e maçantes. Resumindo, isso se deve à tonalidade escura inapropriada: partes da tela em preto absoluto ajudam à realçar outras cores e as tornam mais vivas, enquanto os longas da Casa das Ideias não passam do cinza escuro.

A maioria das respostas ao vídeo foram de fãs que afirmaram preferir a estética de cimento por se aproximar da realidade, o que não faz sentido algum, uma vez que: a) estamos falando de um blockbuster de herói; b) esse “senso de realismo” não se aproxima nem um pouco do entendido pelo cinema e c) isso mostra como a Marvel não está preocupado com nada além do próprio bolso, não entende da linguagem cinematográfica e não consegue acertar o próprio tom.

Willems gravou outro vídeo em resposta à esses comentários. Nele, o youtuber apresenta o conceito de “realismo objetivo” proposto pelo crítico e teórico cinematográfico, André Bazin (que também foi fundador da Cahiers du Cinéma, a mais importante revista de cinema). Bazin defendia os filmes os quais se utilizavam da linguagem (longos takes, profundidade de campo, planos-sequência e textura, por exemplo) em prol de uma narrativa mais comprometida com o realismo, de modo que o espectador encontre-se na “pele da câmera” e observe os eventos apresentados.

Complementar à teoria de Bazin, o vídeo também menciona o espectro de Siegfried Kracauer, que classifica binariamente os filmes em “realismo” e “formalismo”. Nos primórdios do cinema, encontra-se no extremo do realismo, os filmes documentários dos irmãos Lumière, enquanto formalistas são as obras de Georges Méliès, com elementos lúdicos, feitos em estúdio estilizados e compromissados com a história a ser contada.

Ignorando o mau exemplo dado pelo vídeo (Speed Racer) e transportando para o cinema contemporâneo, o iraniano (Close-Up (1990); Isto não é um filme (2011) e Taxi Teerã (2015), por exemplo) é um bom retrato do realismo, do modo como funde a linguagem de documentário e ficção de modo que o filme possa ao menos ser exibido no país em que o autoritarismo é institucionalizado. Em contrapartida, as animações mostram um potencial formalista muito grande: as possibilidades existentes na plataforma permitem a manipulação máxima de imagem em prol da narrativa, de modo que não fique “deformado” e também faça sentido estético, como na ficção científica de Akira (1988) e Wall-E (2009), o experimentalismo de It’s such a beautiful day (2012) O Menino e o Mundo (2013), da áurea estranhamente real de stop-motins como O Fantástico Senhor Raposo (2009) e Anomalisa (2015) ou simplesmente qualquer filme do Estúdio Ghibli.

No meio desse espectro, encontram-se principalmente os filmes “hollywoodianos”, batizados de “classicismo” (Casablanca (1942), Crepúsculo dos Deuses (1950), Cidadão Kane (1941)), mesmo que a palavra “clássica” designe filmes que seguem à um padrão estético e narrativo popularizado pela Hollywood dos anos 40/50 (na contemporaneidade, filmes como O Artista (2011) e La La Land (2016) se apoiam nesse padrão). As características técnicas “classicistas” hoje são utilizadas e apoiados no espectro para definir o tom do filme, por mais que filmes como Filhos da Esperança (2006) e Vá e Veja (1985) tendam para o realismo por meio de longos takes e elementos técnicos sem muito intervencionismo por parte da produção, eles ainda utilizam-se de elementos “lúdicos” (música sobreposta na edição, maquiagem, montagem de set). Os exemplos de longas classicistas que tendem para o formalismo por meio da própria experimentação estão nos filmes do Wes Anderson, que contêm uma estética perfeccionista impressionante e no blockbuster de ação surreal, Mad Max: Fury Road (2015).

Para mais aprofundamento, recomendo o texto do RUA (Revista Universitária do Audiovisual) sobre o assunto.

Crítico mirim, desenhista amador, escritor júnior e futuro diretor (se tudo der certo).