Havia um caminho que o levou à faculdade. E não havia dúvidas quanto a sua carreira. Com sorte, no primeiro ano do curso, já trabalhava na área e de carteira assinada. E assim foi, trabalhos empolgantes, desafios novos, empresas internacionais, projetos e mais projetos, por anos. Um dia percebeu que não vibrava mais, que estar na posição que alcançara com seu talento o colocava longe do que gostava de fazer realmente. Não havia mais sentido naquilo que fazia e não era possível voltar atrás. Compreendeu, então, a angústia que o perseguira por tempos.

Com todo o medo possível, tomou a atitude de buscar um novo caminho profissional. Demorou para colocar em prática. Insegurança, vulnerabilidade ante sua missão de macho-vencedor, o sustento da família eram algumas das prerrogativas justas que tornavam as respostas mais lentas. De fato, aproveitou um momento de cortes na empresa em que trabalhava e, na dor da demissão, vislumbrou a luz de algo que não sabia ainda o que era. Aproveitou sua experiência e a transformou em consultoria e em um bem sucedido trabalho de coach.

Certo dia se deu conta que, desde que largara a vida executiva, nunca mais teve cartões de visitas, o que era um absurdo para quem se apresentava como consultor. Pensou nisto como um ato falho. A simbologia do cartão de visitas sempre pesava mais para a empresa que emprestava valor ao nome que estava grafado abaixo – era o CGC, e não o CPF, que importava para parte do mundo corporativo. E ele, agora como consultor e como coach, viveu um impasse diante do layout pesado para o cartão que encomendara à gráfica – havia muitos títulos, estava confuso. Residia ali uma questão fundamental: o que ele era afinal? Qual profissão deveria colocar no cartão?

Foi neste momento que realizou, então, o motivo da ausência de seu cartão de visitas por tantos anos. Não tinha uma definição para sua carreira. O referencial era a ilusória solidez de uma única empresa que o abrigava e emprestava sua logomarca e o sonho de um pertencimento que, na prática, todos sabem não existir. Entretanto, ele também realizou que seu grande valor profissional era a somatória de tudo aquilo que empreendeu e que continuaria a empreender. Que uma descrição apenas limitaria em muito a si próprio e para quem mais o contratasse.

Riu consigo mesmo e decidiu colocar apenas seu nome e telefone. Era o que bastava, em toda a singeleza e grandiosidade de sua experiência. Prevaleceu, pois, o indivíduo.

 

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Paulo Cunha

Experiência profissional como: publicitário em agências de propaganda (22 anos), docente (15 anos) e psicanalista (dois anos). Doutorando em Comunicação pela ESPM-SP. Formação em Psicanálise pelo CEP (Centro de Estudos Psicanalíticos). Mestre em Comunicação. Especialização em: Formação de Professores para o Ensino Superior em Marketing. Graduação em Comunicação Social. Áreas de pesquisa: pensamento estratégico, comportamento humano e cinema. Autor do livro “O cinema musical norte-americano – história, gênero e estratégias da indústria do entretenimento” e Coordenador do curso de Comunicação Social da ESPM/SP.

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