Semifinais da Copa da Inglaterra: 15 de abril de 1989, Hillsborough Stadium: Liverpool x Nottingham Forest, 96 torcedores do Liverpool mortos pisoteados e outros 766 feridos. Escrevia-se ali, um dos momentos mais sombrios da história do futebol inglês e mundial, o desastre de Hillsborough. Os grandes culpados, segundo a primeira ministra Margareth Tatcher e a força policial inglesa, foram os torcedores, imprudentes, violentos e fanáticos de tal maneira que superlotaram a pequena área a eles destinada e invadiram outras áreas para mais perto do campo, prensando pessoas entre as grades e pisoteando os caídos. Uma manada animalesca e furiosa.

tmp657575395838656512
O desespero do público: o maior desastre do futebol

Depois de todos os incidentes anteriores envolvendo os Hooligans, a Dama de Ferro não hesitou em tomar medidas drásticas no futebol inglês. O aumento do preço dos ingressos, forças rigorosas com a segurança e toda a culpa jogada sobre as classes mais baixas da sociedade inglesa, que dali para frente teria presença cada vez menor nos estádios. Começava ali um processo irreversível no futebol mundial, a morte da geral. A lenta desconstrução do futebol como paixão popular e objeto de cultura para tornar-se um simples produto de entretenimento.

Mas, 27 anos depois, as autoridades inglesas descobriram o teatro de Tatcher e a adulteração no documento do jogo, que jogava toda a culpa nos fãs do Liverpool, revogando o veredicto e decidindo que a causa maior foi a ineficiência da força policial. Um dos principais argumentos contra a polícia foi a abertura equivocada de setores onde o acesso não deveria ser permitido. De nada adiantou, o futebol já havia mudado, e muito.

hillsborough-liverpool-bufandas
Torcedor do Liverpool homenageia as vítimas do desastre.

13 de maio de 2016: patrocinadores milionários, cartolas mais importantes que o camisa 10, salários astronômicos, arenas multiuso hipermodernas, naming rights e uma matilha faminta das mais diversas marcas esperando para devorar o resto do futebol que ainda sobrevive no coração do povo como parte da cultura e da identidade nacional. Esse é o mundo do futebol atualmente. Esse é o começo do declínio do futebol brasileiro na última década, muda o futebol, muda o torcedor que vai aos estádios, muda o país.

920714_514205738642831_1564592161_o
O velho Maraca; um templo do futebol, essência brasileira e símbolo do povo carioca.

A política de naming rights começa a engatinhar no Brasil com as novas arenas, mas efetivamente o único clube a receber pelo nome de seu estádio é o Palmeiras, o Allianz Parque nova arena do alviverde, foi concluída em 2014 após 4 anos de obras. Outro exemplo de arena brasileira que possui naming rights, mas é patrimônio estatal e não privado, é a Itaipava Arena Fonte Nova, além da Arena Castelão, que negocia com a cervejaria. O clube paulista fechou um acordo de cerca de 300 milhões de reais por um contrato de 20 anos, mas por resíduos contratuais o verdão deve receber em torno de 37,5 milhões.

A nova casa do alviverde, ou mesmo o Itaquerão (estádio do rival Corinthians) sempre está com a casa cheia. Mas quem é esse torcedor? Ao mesmo tempo que uma arena moderna propicia segurança e conforto, esmaga o sentimento das antigas gerais, o progresso tecnológico veio, mas veio para poucos. O preço dos ingressos acaba causando um recorte de classes dos frequentadores do estádio, isso junto aos novos programas de sócio-torcedor (valor mensal que varia entre R$ 12,90 e R$109,00, com diferentes benefícios, no caso do AVANTI, programa do Palmeiras) acaba criando uma barreira para as classes mais baixas.

alianz
Allianz Parque: A nova casa do verdão.

SAO PAULO, BRAZIL - MAY 18: A general view of the match between Corinthians and Figueirense for the Brazilian Series A 2014 at Arena Corinthians on May 18, 2014 in Sao Paulo, Brazil. (Photo by Friedemann Vogel/Getty Images)
Itaquerão: O moderníssimo estádio do Corinthians.

O cenário brasileiro vai seguindo os passos do futebol empresarial internacional, dominado pelas companhias árabes e por multimilionários de países sem tradição no esporte. Etihad, Abu-Dahbi, Qatar e Emirates são alguns exemplos. Alguns ainda resistem com forças limitadas, mas parecem cada vez mais próximos da “profissionalização”, o Milan, de Silvio Berlusconi deve ser vendido nas próximas semanas, indicando o fim de uma era.

palmeiras-e-corinthians
Final do paulistão de 1993: Corinthians x Palmeiras, mais de 100.000 pessoas no Morumbi.

Pensando em todo esse engravatamento do futebol, cinco jovens do ensino médio (Gustavo Altman, Martina Alzugaray, Matheus Bosco, Pedro Arakaki, Pedro Junqueira) resolveram ilustrar essa elitização do futebol em torno da figura da geral. O documentário “Adeus, geral” será lançado em 2016 e conta com presenças de grandes nomes do jornalismo esportivo, como, Juca Kfouri e Mauro César Pereira, além do presidente do Palmeiras Paulo Nobre e do técnico Tite, do Corinthians.


Trailer do documentário Adeus, geral: Um manifesto e discussão acerca da elitização do futebol.

O futebol perde seu brilho a cada dia, se esse processo continuar sem uma virada popular, teremos a cada dia um terrão a menos, cada dia um golzinho de chinelo a menos, cada dia um sorriso a menos no rosto do brasileiro. O futebol é parte da nossa cultura, não podemos deixar que troquem o meião e chuteira por um maleta e um terno. O futebol há de sobreviver na boca do povo, que seja ele reerguido pelo povo.

Texto de Vittorio Laginestra

Os colunistas do Newronio são professores, alunos, profissionais do mercado ou qualquer um que tenha algo interessante para contar.