Paralelo ao grande evento cultural que é a 38ª Bienal Internacional de Arte, a cidade de São Paulo é premiada com uma exposição imperdível, por ser um evento de arte fora de um ambiente tradicional dedicado às grandes mostras. A exposição (ou invasão criativa, como preferem chamar os seus curadores) “Made by… Feito por Brasileiros” traz obras de mais de 100 artistas nacionais e internacionais que ocupam os pavilhões, corredores e jardins do histórico Hospital Umberto Primo, também conhecido como Hospital Matarazzo, fazendo “renascer” a energia criativa naquele antigo e poético complexo urbano que resgata a memória da cidade de São Paulo.

Durante cerca de duas décadas, as edificações, que ocupam uma área de 27 mil metros quadrados, a poucas quadras da Avenida Paulista – tiveram suas atividades interrompidas, não esquecendo que desde o começo do século passado, o hospital foi uma referência em saúde e orgulho da cidade, especialmente da numerosa colônia italiana. Avesso às mudanças que aconteciam em seu entorno, maltratado pela passagem do tempo, aos poucos, este espaço urbano se tornou um oásis em ruínas. Assim, mais do que apreciar uma bela e instigante exposição de arte contemporânea, os visitantes terão a oportunidade de visitar um espaço que, por si só, já é uma obra de arte, pois, ao revelar as marcas do tempo e do abandono em suas paredes descascadas, em suas portas e janelas marcadas pelas cores da memória, convida o espectador a acionar sua percepção emotiva e buscar um diálogo do próprio espaço com as obras de arte que por hora habitam aquele mágico espaço: a grande maioria dos trabalhos que dão vida a exposição foi concebida pelos artistas especificamente para o lugar e terão a efêmera existência de 35 dias. Como não se encantar com um projeto que humaniza um território marcado pelo abandono? Eu mesmo, confesso, que me emocionei em várias passagens desta mágica travessia.

Coluna 4 - Foto 1 Coluna 4 - Foto 2 Coluna 4 - Foto 3
O percurso da exposição fica a critério do visitante, mas deixo aqui o registro das obras que mais me chamaram a atenção.

“Dádiva 1”, instalação do artista paulista Nuno Ramos: A sala é preenchida pela carcaça daquilo que um dia foi um barco; nos dois extremos deste objeto que evoca a memória de um suposto navegar, encontramos um copo com água do mar e um violoncelo. A enorme escultura convida o seu espectador a construir uma possível narrativa poética aberta a infinitas interpretações: Decifra-me ou devoro-te.

Coluna 4 - Dadiva Nuno

“Purgatório” de Artur Lescher cria, nas ruínas do prédio interno onde funcionou a cozinha do hospital, uma atmosfera chuvosa feita através de um sistema de gotejamento nos dois andares, o que resulta numa “chuva” que atravessa o interior da construção e vai inundando o porão. A percepção da obra oscila entre a beleza e o estranhamento, e nos faz lembrar das antigas histórias cristãs nas quais as almas que estariam no purgatório clamam por orações e pela água purificadora. Instalação com um alto grau de lirismo e poesia: difícil não se encantar com o que vemos-sentimos.

Coluna 4 - Foto 8 Coluna 4 - Foto 9
A instalação “Valquíria Matarazzo” da artista portuguesa Joana Vasconcelos ocupa o emblemático espaço da Capela do Hospital Matarazzo. A obra pertence à série “Valquírias”, importante conjunto de trabalhos que apresentam estranhas formas orgânicas, feitas de tecidos e bordados, que são exibidas suspensas no espaço expositivo. As “Valquírias” são inspiradas nas homônimas personagens femininas da mitologia nórdica que teciam o destino dos homens e lhes davam vida. A religiosidade da obra é indiciada na forma de uma cruz de onde surgem os diferentes volumes que a obra sugere e que acabam por contaminar de simbologia o espaço sagrado da Capela.

Coluna 4 - Foto 5

Muitas outras instigantes obras estão à espera do espectador… é só abrir os olhos da percepção e viajar por encantadoras imagens que habitam este espaço poético da memória. Os grafites que ocupam a entrada da mostra não deixam dúvida: A Arte salva Almas.

Coluna 4 - Ultima Foto

IMG_0245João Carlos Gonçalves (Joca)
Doutor em Linguagem e Educação pela USP; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada na ESPM.

Os colunistas do Newronio são professores, alunos, profissionais do mercado ou qualquer um que tenha algo interessante para contar.