A contemporaneidade brindou os indivíduos com a crença de que limites são castradores de sua essência livre e que a responsabilidade individual seria a base para uma constituição social mais pessoal, ética, justa, promissora e extremamente criativa. A resposta para a realização estaria em pensar em si mesmo, em estar bem, em ser o melhor possível, para que ao seu redor se construísse um círculo virtuoso. Magicamente, então, toda a construção referencial cultural seria coadjuvante à esta conformação atitudinal. Se idealisticamente esta concepção é interessante sob o prisma humanístico, na prática, em menos de cem anos, a sociedade ocidental se viu à mercê de uma palavra de ordem que subverte um padrão moldado ao longo de séculos. Desta forma, na medida em que a liberdade e o aval à busca incessante da realização pessoal e dos desejos individuais se tornavam um mantra, mais abandonado e isolado se sentia o indivíduo contemporâneo. Indo ao encontro à ideia de constituição do indivíduo através do referencial externo, o senso comum repudiou o mesmo foco, na medida em que proclamava o fim das referências formais, estas que, por sua vez, representavam o poder, a autoridade e a segurança, transformando a identidade em uma questão momentânea, na medida em que se permite que seja remodelada frente às diferentes demandas da vida.

Despida obrigatoriamente da referência formal, acontece uma informalização dos modelos idealizadores. O foco recai na possibilidade de realização do indivíduo e na sua felicidade, que se transforma em uma das bases da ansiedade contemporânea. Não existe a possibilidade de não se estar feliz, como se a vida funcionasse na polaridade feliz-infeliz. Frente a tal tarefa, o submundo das regras permitiu a instalação oculta de forças que, impossibilitadas de emergirem naturalmente, aparecem sob a forma de anorexias, de adições, do consumismo e de fobias. Os grandes grupos são substituídos por tribos, cada qual com regras próprias, como se a constituição modelar reduzida fosse um antídoto às normas que no passado suprimiram o desejo e o prazer da sociedade. A capacidade de gerar felicidade e prazer constante e crescente são a principal tônica. A realização, devidamente caracterizada por sinais aparentes e exteriores, passou a gerar um moto contínuo que exaspera este mesmo indivíduo que via nas imposições de outrora uma forma de cercear sua individualidade e amplitude de vôo. Houve um deslocamento da pressão e da prisão.

A construção deste cenário permite a compreensão da pressão a que o indivíduo é acometido e que o move para a realização dos projetos infindáveis que sustentariam sua felicidade. E que ao perceber que não encontra de volta a tal felicidade, permanece na busca deste fim incessantemente, em compasso com a pressão para a realização e para o prazer individual. A ironia, como aponta Zygmunt Bauman, é a de que “parece que a busca dos seres humanos pela felicidade pode muito bem se mostrar responsável pelo seu fracasso”.

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Paulo Cunha

Experiência profissional como: publicitário em agências de propaganda (22 anos), docente (15 anos) e psicanalista (dois anos). Doutorando em Comunicação pela ESPM-SP. Formação em Psicanálise pelo CEP (Centro de Estudos Psicanalíticos). Mestre em Comunicação. Especialização em: Formação de Professores para o Ensino Superior em Marketing. Graduação em Comunicação Social. Áreas de pesquisa: pensamento estratégico, comportamento humano e cinema. Autor do livro “O cinema musical norte-americano – história, gênero e estratégias da indústria do entretenimento” e Coordenador do curso de Comunicação Social da ESPM/SP.

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