Jim Jarmusch é um cineasta, roteirista, ator, produtor, editor e compositor estadunidense nascido em 22 de Janeiro de 1953 em Cuyahoga Falls, no estado de Ohio.

Sua mãe era crítica de cinema e teatro para o Akron Beacon Journal e foi quem apresentou ao pequeno Jim o mundo do cinema quando, para poder fazer compras para a casa, deixou o menino em uma dupla-matinê que exibidiu os filmes A Ilha do Pavor e O Monstro da Lagoa Negra. O primeiro filme “adulto” que o cineasta recorda ter assistido foi A Lei da Montanha, de Arthur Ripley, tendo ficado fascinado pela sombria e violenta atmosfera do filme.

THE LIMITS OF CONTROL
Jarmusch com seu icônico (e lynchiano) topete

Apesar da precoce paixão por cinema, Jarmusch é um leitor inveterado desde adolescente. Ele culpa a literatura por suas crenças metafísicas e por tê-lo feito reconsiderar a sua fé no meio de sua adolescência (à princípio Jim se recusava a ir a igreja com seus pais porque a ideia de “ficar sentado num lugar lotado usando uma gravata” não lhe agradava nem um pouco).

Foi da literatura que ele tirou sua identificação com a contra-cultura (marca de sua revolução no cinema independente estadunidense na década de 80), ele e seus amigos roubavam livros dos beatniks Jack Kerouac e Burroughs e álbuns de bandas como Mothers of Invention dos seus irmãos mais velhos. Além disso, Jarmusch conta que tinha algumas identidades falsas para poder entrar em bares nos finais de semana e principalmente para frequentar uma sala de cinema alternativa na cidade – que na maioria das vezes passava só pornografia, mas que chegou a exibir Putney Swope de Robert Downey Sr. e Chelsea Girls de Andy Warhol.

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Andy Warhol no set de “Chelsea Girls”.

Após terminar o colegial em 1971, Jarmusch se mudou para Chicago, onde entrou para a Medill School of Journalism na Northwestern University, porém foi “convidado a se retirar” da instituição simplesmente por se recusar a frequentar qualquer matéria sobre jornalismo. Dali pediu transferência para o curso de literatura e história da arte na Columbia University com a intenção de se tornar poeta.

Em seu último ano em Columbia, Jarmusch se mudou para Paris e o que era para ser um intercâmbio de um semestre virou quase um ano. Lá ele trabalhava como motorista em uma galeria de arte e passava o resto do seu tempo na Cinémathèque Française.

Jarmusch, em entrevista ao The New York Times, fala sobre essa época: “Foi lá que eu vi coisas sobre as quais eu só havia lido e ouvido falar. Filmes de incríveis cineastas japoneses como Imamura e Ozu, diretores europeus como Bresson e Dreyer e até filmes americanos, como a retrospectiva do Samuel Fuller, que eu só conhecia porque ficava vendo televisão até tarde de madrugada. Quando voltei da França eu ainda estava escrevendo e a minha escrita estava mais cinematográfica, mais visualmente descritiva.”

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A Cynémathèque Française

Ao voltar para os E.U.A., se formou em Columbia no ano de 1975 e, no ano seguinte, estava falido e trabalhando como músico em Nova Iorque. Ali ele se candidatou a uma vaga na escola de cinema da New York University e, apesar de sua completa inexperiência em filmagem, o envio de uma série de fotografias e um artigo sobre cinema asseguraram sua entrada na universidade. Ele estudou na universidade por 4 anos e foi lá que conheceu alguns amigos e futuros colaboradores como Tom DiCillo, Sara Driver e o renomado cineasta Spike Lee.

No seu último ano na New York University, Jarmusch foi assistente de direção do cineasta Nicholas Ray, diretor de Juventude Transviada. Inspirado por Ray, Jarmusch começou a trabalhar no que seria seu trabalho de conclusão e seu filme de estreia: Permanent Vacation (terminado em 1980). A universidade, nada impressionada com o uso de sua verba por Jarmusch e desinteressada no filme, recusou-se a lhe conceder o diploma.

Em 1989 o jornal The Washington Post disse que o maior mérito do diretor em seu primeiro filme foi escalar um elenco completamente sem talento.

A Trilogia da Solidão

Essa trilogia quem batizou fui eu mesmo. Ela não tem um nome específico e o próprio cineasta só se referiu a essas obras como trilogia uma vez, no lançamento de Trem Mistério em Cannes. E ele nem sabe o motivo.

Quando perguntado se Trem Mistério é o fim de uma trilogia, Jarmusch diz: “Bom, eu o chamei assim na estreia em Cannes. Não sei o porque disse isso. Acho que disse para que meu próximo script, que eu estava escrevendo na época, parecesse uma fuga de mim mesmo. Na verdade, existem coisas muito similares entre esses filmes, alguns temas, um estilo parecido. Godard disse que ele faz o mesmo filme de novo e de novo e eu acho que isso acaba sendo a realidade para muitas pessoas. Quando eu morrer as pessoas provavelmente dirão que meus filmes tem uma linha comum, algo que os conecta. Não tenho planos de fazer nada muito diferente…”

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1 – Estranhos no Paraíso (1984) 

Willie mora em um pequeno apartamento em Nova Iorque e um dia recebe a visita de sua prima Eva, recém-chegada da Hungria. Não se entendendo muito bem e tomados pelo tédio, os dois resolvem visitar sua tia em Cleveland. Eva acaba ficando por lá enquanto Willie volta para Manhattan, mas depois de um tempo acaba voltando com um amigo para buscar Eva e os 3 partem em uma viagem para a Flórida.

Para este que vos escreve é como se Jarmusch tivesse juntado “Jules e Jim” do Truffaut, o clima meio noir de “Bande à Part” do Godard e misturado com os vagabundos iluminados de Kerouac. Tudo isso em torno da canção I Put a Spell on You de Screamin’Jay Hawkins. Esse filme ganhou a Camera d’Or no Festival de Cannes de 1984 e é considerado um marco no cinema independente estadunidense.

 

2 – Down By Law ou “Daunbailó” (1986)

Só para começar: As três personagens principais da trama são interpretadas por Tom Waits (sim, aquele Tom Waits), Roberto Benigni (de A Vida é Bela, lembra?) e John Laurie (que já havia atuado na primeira parte dessa trilogia). Dá pra ser ruim? (Minha dica é: Não, não dá.)

A história acompanha Jack (John Lurie), um cafetão de baixa categoria, e Zack (Tom Waits), um ex-radialista que, expulso de casa pela namorada, aceita um serviço para transportar um carro sem saber que havia uma pessoa no porta-malas. Na cadeia eles acabam na mesma cela que Roberto (Roberto Benigni), preso por causa de uma chacina.

 

3 – Trem Mistério (1989)

Apoiando-se em 3 histórias paralelas, a tragicomédia se passa durante 24 horas em Memphis, no Tennessee, em um ambiente em que todos parecem viver das memórias de Elvis Presley. No primeiro episódio, um casal japonês fascinado por rock vai até a cidade conhecer os estúdios da Sun Records. Na segunda história, uma mulher italiana vai a Memphis buscar o corpo do marido e acaba em um hotel assombrado pelo fantasma de Elvis (que é interpretado por Joe Strummer do The Clash). Na última parte, um marido ciumento e seus amigos acabam em uma enrascada após matar acidentalmente o balconista de uma loja de conveniência.

 

“Faço filmes sobre as pequenas coisas que ocorrem entre os seres humanos. Na maioria dos filmes, se um rapaz recebe um telefonema de sua namorada, no plano seguinte ele já estará batendo à porta dela. Mas eu estou mais interessado no que acontece no caminho que ele percorre até a casa do que nas outras sequências. O que viu o menino no trem? O que almoçou? O que me interessa é o meio do caminho.” – Jim Jarmusch.

Além dos caminhos escolhidos pelas personagens, outro olhar comum tanto na trilogia quanto no resto da obra de Jarmusch é a visão do estrangeiro. Jarmusch afirma que se sente tão americano quanto estrangeiro em sua própria terra e que seus filmes tem sempre personagens estadunidenses que contrastam com os de outros lugares. Seja na garota húngara de Estranhos no Paraíso ouvindo “I Put a Spell on You” o tempo todo, na obsessão de Roberto por sorvete em Down by Law ou nos japoneses fascinados pelo rei do rock em Trem Mistério, a figura do estrangeiro está sempre ali. Um pequeno e solitário viajante mesmo que rodeado de gente, mesmo a caminho de algum lugar.

Essa questão também é abordada em várias outras obras seguintes do cineasta, com Johnny Depp em Dead Man vagando por um território hostil, Bill Murray em Flores Partidas, deslocado de tudo e todos, correndo atrás de seu filho pelo país afora e até em seu mais recente filme Amantes Eternos, em que o casal de vampiros vivido por Tilda Swinton e Tom Hiddleston se sentem completamente alheios à sociedade em que vivem. Esse deslocamento, a solidão e a melancolia são retratadas em todas as suas facetas pelo cineasta.

Quando perguntado de onde vem esses sentimentos na sua obra, Jarmusch responde: “Da minha própria solidão e melancolia (risos). Isso é parte da vida e sempre me senti como um estrangeiro de muitas formas. Da mesma forma que me utilizo do humor, da incomunicabilidade e de coisas que surgem de mal-entendidos, sei que essas coisas co-existem, portanto eu tento harmonizá-las em um personagem ou filme.”

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Tilda Swinton e Tom Hiddleston em cena de “Amantes Eternos”

Em sua obra, Jarmusch mostrou que é possível fazer bons filmes mesmo com baixos (ou desviados) orçamentos, músicos no lugar de atores e temas recorrentes. Podemos dizer que ele é, realmente, um artesão das imagens, mas quanto ao rótulo “independente” o cineasta diz: “Me adoece a palavra ‘independente’. Palavras como essa se tornaram rótulos que se colocam em produtos para que sejam vendidos. Todos que fazem um filme que querem fazer e que não é definido por análises de mercado se torna ‘independente’. Meus filmes são feitos a mão. Não são maquiadas. Como se tivessem sido feitas em uma garagem, meus filmes são, de certa maneira, artesanatos.”

Se você ainda não assistiu a essa trilogia (que nem o próprio autor considera uma), aproveite o feriado para assistir. Afinal, não somos todos estrangeiros e melancólicos em pelo menos uma dúzia de aspectos?

Sai sempre de casa com uma palheta, uma câmera e um livro.