O último dia da FLIP estava lotado. Para qualquer lugar que você olhasse havia uma fila. Fila para o pastel, fila para entrar na tenda, fila na ponte, fila nas livrarias, fila para comprar doce na rua, e se você quisesse um café eu te desejaria boa sorte, já que essa era a fila que não diminuiu por um segundo durante o dia. Mas a multidão que circulava para todos os lados do centro histórico de Paraty não desanimava ninguém.

Assim como na sexta, a programação principal estava imperdível. Cheguei a tenda dos artistas ao meio dia para a Mesa 14 – De Clarice a Ana C., onde o escritor Benjamin Moser e a escritora (entre diversas outras profissões) Heloisa Buarque de Hollanda traçaram paralelos entre as duas escritoras.

O americano passou anos estudando Clarice Lispector e logo se via que era um apaixonado pela vida e obra da escritora. Já Heloisa era amiga próxima de Ana Cristina Cesar e ajudou a poetisa entrar no mundo literário. Assim, um leve clima de competição se instalou, transformando cada convidado em uma espécie de defensor de sua escritora. Durante a conversa os dois comentaram como, tanto para Clarice quanto para Ana, escrever se tornara uma obsessão e como o feminismo era grande parte da vida de ambas.

Mais tarde, às 15 horas, a Mesa de número 15, intitulada Encontro da arte com a ciência, discutia a vida e trabalho do inventor Alberto Santos-Dumont com os convidados Arthur Japin, escritor holandês, e o artista plástico, arquiteto e designer brasileiro Guto Lacaz. Japlin estava lançando “O homem com asas” um romance – que parte do roubo do coração de Santos-Dumont pelo legista responsável por embalsamar seu corpo – e foi aplaudido diversas vezes, principalmente quando mencionou a homossexualidade do inventor e o chamou de herói. Já Guto passou grande parte da conversa dando uma aula sobre aerodinâmica com experimentos e modelos dos aviões de Dumont.

Às 17:15 um dos momentos mais esperados de todo o evento teve início na palestra de Svetlana Alexievich, ganhadora do prêmio Nobel de 2015 descreveu a experiência de escrever seus livros, principalmente “A guerra não tem rosto de mulher” – no qual conta histórias de mulheres que combateram no Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, o que lhe rendeu acusações de propaganda antissoviética – e “ Vozes de Tchernóbil”, em que abre o livro narrando uma tentativa desesperada de uma mulher para salvar o marido, contaminado pela radiação da usina nuclear. Ao fim da palestra, a escritora bielorrussa disse para pouco mais de duas mil pessoas que a única saída é o amor e que todos precisamos ser um pouco mais humanos.

E, por fim, a Mesa 17 – O palco é a página trouxe dois dos convidados mais jovens desse ano, Kate Tempest e Ramon Nunes Mello. A inglesa de 31 anos é rapper e escritora, lançando ali seu primeiro romance “Os tijolos nas paredes das casas”. O poeta brasileiro de 32 anos também laçava seu livro mais recente “Há um mar no fundo de cada sonho”. Os dois convidados leram trechos de seus livros e receberam aplausos diversas vezes e fizeram de suas falas um ato político, discorrendo sobre as atuais situações em que se encontram Brasil e o Reino Unido.

O ponto alto da noite – e, para mim, do evento – foi a declamação do poema não publicado “Hold Your Own” de Kate. Numa mistura entre poesia, hip hop e pregação a escritora suplicava para que nos aproximássemos de pessoas e não de qualquer produto que nos aparecesse atrativo no momento e fez com que todas as pessoas dentro da tenda principal se levantassem e a aplaudissem por um bom tempo.

Depois disso, a minha cobertura da FLIP se encerrava e eu peguei a fila para sair da tenda pensando em como eu vou voltar ano que vem.

A menina que não sabe o que escrever.