No evento que organizamos em torno do Outubro Rosa ESPM tivemos muitas mesas ricas. Uma delas tinha como tema “Saúde e sexualidade da mulher”.

Depois da apresentação inicial das convidadas (uma psicanalista e uma médica), vieram as questões das alunas. Aqui, apareceu o mais interessante. As questões se concentraram em dois temas: a falta de desejo sexual e o uso da pílula do dia seguinte.

A combinação dos temas produz um efeito estranho. Temos a ideia de uma vida sexual realizada sem desejo e cuidados de prevenção (da gravidez ou de DST- doenças sexualmente transmitidas).

Vá lá que talvez não tenham sido as mesmas pessoas a fazerem as duas perguntas. Mas ainda surge algo sugestivo sobre a forma de viver a sexualidade hoje. Tudo indica que a vida sexual é livre, num ambiente de baladas universitárias, mas, de alguma forma, a liberdade sexual não parece estar sendo vivida como expressão do desejo sexual, mas como expressão narcísica: desejo de inclusão, medo de perder o parceiro, desempenho ou post.

A cara da repressão sexual até meados do século xx era a renúncia à vida sexual; hoje, surge algo mais estranho: a liberdade sexual se desdobra em dever. Neste registro, temos uma nova modalidade de repressão: deve-se calar a questão pelo próprio desejo e fazer o que todos fazem (ou dizem fazer). A atividade sexual passa ser uma forma de repressão do desejo sexual, paradoxalmente.

Esta dinâmica de banalização da vida sexual pode estar junto com uma atitude irresponsável e perigosa. Não se preservar no ato sexual. Talvez pela divulgação da queda da mortalidade pela AIDS, talvez pela disponibilidade falsamente mágica de uma pílula do dia seguinte; o fato é que os jovens têm se lançado a uma falta de cuidado de si espantosa. É uma forma de agressão a si e a eventuais futuros parceiros.

Está fazendo falta tratar abertamente da questão do desejo feminino: como ele se desenha, para além da referência ao desejo masculino, onde a mulher aparece como objeto de desejo, ou pior, objeto de violência. Quando uma jovem diz estar com falta de desejo, a que ela se refere: falta em comparação à demanda do parceiro? falta em relação ao que ela própria já sentiu? ou algo ela considera que deveria sentir?

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Pedro de Santi

Psicanalista, doutor em psicologia clínica e mestre em filosofia. Professor e Líder da área de Comunicação e Artes da ESPM.

   

 

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