Estreio hoje um espaço para expressar percepções, ideias e comentários em torno das séries que acompanho. Escreverei aqui em tom informal, descontraído e, dentro do possível, um tanto livre. A ideia é estabelecer um diálogo com quem, como eu, curte esta forma específica de apresentar diferentes narrativas sobre a vida. Não tenho o objetivo de apresentar nem um texto totalmente acadêmico e nem totalmente solto, sem qualquer compromisso com o que estudo, pesquiso e dialogo com meus alunos.

Nesta última semana, terminei River, uma série britânica, que, como tal, apresenta seis densos episódios em sua primeira temporada. A cada episódio nos é apresentada uma história de um policial que luta para desvendar o assassinato de sua parceira. Quanto mais John River investiga e desvenda o que está envolvido no ato violento contra sua colega, mais o protagonista da série se depara com a loucura da descoberta da realidade, do quanto o real o agride ao ser desvelado. Não fica barato para River seu atrevimento de remexer nas diversas verdades da vida de sua ex companheira. A experiência de assistir a incessante busca de River nos leva a uma forte identificação do quanto pode ser penoso e enlouquecedor o encontro com a realidade. Diante do improvável, a série se desenrola em clima de tensão e suspense. Vale cada minuto, para quem curte uma boa história policial, mesclada com crises existenciais e questionamentos éticos da atuação profissional.

Na fila, já que esperei a segunda temporada estar disponível no Netflix, encontrava-se Gotham.  Mesmo sabendo que em Gotham tudo é possível em termos de crimes e patologias psíquicas, esta temporada me surpreendeu. Seu poder metafórico em relação aos tempos atuais é intrigante durante os 22 episódios. Com imediatas conexões com a primeira temporada, esta traz um tom sutilmente mais sombrio, mais patológico e, o que mais me fascinou, uma cuidadosa e profunda construção de cada um dos personagens, principalmente os vilões. Cada qual se desenvolvendo a partir de sua forma específica de encontrar sua própria loucura. A construção de cada vilão ao se descontruir o que lhes resta de humano. Às vezes, parece que não há saída. Mas, sempre haverá uma forma improvável de se escapar do que se mostra invencível. Nada mais sedutor que vencer o invencível.

Ainda sem Batman, Gotham permanece na penumbra de sua história, que insiste em voltar para assombrar seus dias sempre escuros, violentos e chuvosos. Gotham não dorme, descansa, nem se refresca. Suas casas parecem exagerar na economia de luz. Seus vilões disputam a ferro e fogo o poder da parte criminosa da cidade, que se transborda sobre a própria polícia e prefeitura. A corrupção parece ser o único modo de vida daquela cidade, mesmo para aqueles que a combatem, como é o caso de Gordon. Vez ou outra age em conjunto com os fora da lei em busca de a colocar em prática. O velho e ambíguo pensamento dos fins que justificam os meios. O próprio Gordon se vê diante de sua própria loucura, de um conflito superegóico no uso da violência para combater a violência. Como se manter honesto em uma cidade totalmente corrupta? Qual o limite máximo da aplicação da lei antes de se arriscar a passar para o outro lado? Os extremos se encontram, lei e crime? Parece que Gotham não oferece lugar para uma vida comum de um cidadão comum.

Com esta ausência do Batman, o protagonismo é disputado por Gordon e Pinguim. Claramente a perversão / psicopatia encontra lugar didático na formação deste vilão. É inevitável, em alguns momentos, não torcermos para ele, não esperarmos dele a solução dos problemas de Gotham. Este é colocado à prova o tempo todo e ressurge, ressurge, ressurge. Aos poucos, o vilão de “penas” vai se construindo, prazeroso com a dor do outro, vingativo com quem atravessa seu caminho e, principalmente, astuto na manipulação de suas diferentes gangues. Pinguim começa a se consolidar como um verdadeiro ativo histórico de Gotham. A relação com sua mãe desafia qualquer possibilidade de castração de suas atitudes perversas. Sua dor transforma-se em energia de vingança e domínio sobre os participantes da vida política da cidade. Disputa lugar com outros perversos pelo domínio total da cidade, principalmente quando se abre o “esgoto” dando vazão do que o passado daquele lugar tem de mais sombrio. Difícil não se identificar, sentir repulsa, adorar, odiar os personagens nesta segunda temporada. Esperamos, avidamente, pela terceira.


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João Matta

Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP com doutorado sanduíche na University College of London (UCL). Atualmente é professor do curso de Publicidade e Propaganda da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

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