Como diz o José Simão: “tudo pela metade do dobro!”.

Neste ano, tudo indica que vai haver uma fiscalização maior com relação às ofertas da Black Friday. Esta tradição americana que o mercado brasileiro importou há pouco tempo encobre artifícios das empresas para desovarem estoque encalhado e liberar as prateleiras para as vendas de natal. No ano passado, em muitos casos identificou-se o falseamento de preços. Nas semanas anteriores à data, preços eram aumentados para, então, no dia da promoção basicamente voltarem ao preço anterior, criando uma falsa sensação de desconto.

Mas a Black Friday também envolve mecanismos mentais acionados pelos próprios consumidores para se permitirem aquelas pequenas indulgências pelas quais estão sempre à espera. Nosso consumismo cotidiano também tem seus artifícios para liberar nosso anseio pelo prazer das compras.

Um destes mecanismos é chamado pela psicanálise de ‘recusa’. Ela opera uma espécie de cisão na mente. Uma informação se apresenta à nossa mente: levá-la a sério desencadearia uma série de reações. Quando estas reações resultariam em algo extremamente desprazeroso e que nos levaria a renunciar a algo que queremos muito continuar a fazer, pode-se acionar a recusa: ela funciona com o enunciado: “eu sei, mas mesmo assim…”. A informação não desaparece de nossa mente, mas ela é desqualificada, isolada e nosso desejo se permite simplesmente ignorá-la em sua busca de prazer imediato. Desaparece assim a culpa, a vergonha ou o constrangimento pelo ato de realização de desejo, ao qual não queremos renunciar, afinal.

Dificilmente um consumidor escolado- como quase todos nós- desconhece o discurso publicitário e seus recursos de persuasão; dificilmente alguém acreditaria de forma ingênua nas “oportunidades” da Black Friday. Mas muitos de nós estamos prontos para aproveitar o álibi nos auto-justificarmos, felizes, com as incríveis vantagens e verdadeiras economias que podemos obter hoje.

Então, pare de ler a já às compras!

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Pedro de Santi

Psicanalista, doutor em psicologia clínica e mestre em filosofia. Professor e Líder da área de Comunicação e Artes da ESPM.

   

 

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