É curioso notar que um gênero de história bastante específico, o romance distópico, voltou de maneira tão forte para o imaginário coletivo nesses últimos anos.

Aliás, não parece ser algo totalmente alienígena quando paramos para analisar a indústria hollywoodiana e o cenário político atual, de gigantesca descrença e cada vez maior sentimento de que estamos caminhando ladeira abaixo.

O principal assunto de quase todos os filmes hollywoodianos é um só: superação. Seja no amor após infinitas reviravoltas, ou, mais ainda, na vida ao se nascer um pária e acabar provando a todos o valor em algo inusitado.

Você conhece o roteiro: o time de baseball formado por todos os rejeitados que, assim que arranja um treinador inspirador, passa a ter paixão e garra e acaba ganhando a competição. Conhece, né? Ou do menino que sofria bullying no colégio e, de repente, acaba salvando toda a cidade ao ter uma ideia genial ou receber super poderes.

Junte isso à nossa percepção cada vez mais forte de que a humanidade está destruindo o planeta, com governos e corporações que cada vez mais sugam do povo e do meio ambiente em prol da manutenção de seu poder e temos o que?

Um pária, isolado e excluído porém cheio de ideais de liberdade (o maior capital que qualquer um pode ter no nosso “mundo moderno”), lutando contra tudo e todos que são injustos e opressivos ao seu redor.

Oras, um prato cheio para toda humanidade que espera o seu salvador (não, não estamos falando Daquele Cara), que se levante contra o sistema, a rotina, a injustiça, o mal e tudo o mais.

E o entretenimento e a propaganda não tentam exatamente nos dar, nem que por alguns minutos ou segundos apenas, um relance dos nossas esperanças e sonhos realizados?

Filmes com o tema? A lista é gigantesca e alguns são grandes sensações dos últimos anos:

  • Jogos Vorazes
  • Ender’s Game
  • Divergente
  • Maze Runner
  • Uma Noite de Crime (The Purge)

 

Aliás, você pode reparar quando uma coisa faz parte do mindset do momento quando há mais de uma série de filmes sobre o tema sendo produzida ao mesmo tempo (e nesse caso, temos pelo menos 3) ou livros antigos sobre o tema são resgatados (é o caso de Ender’s Game).

Mas essa busca insana por um libertador do sistema se torna ainda mais paranóica (pra não dizer infinitamente irônica) quando a propaganda começa a beber dessa fonte. Nos últimos meses, marcas grandes e pequenas lançaram comerciais mostrando exatamente a mesma coisa.

Mesmo assim, algumas marcas conseguem apresentar comerciais muito bons de vez em quando. É o caso dessa arrepiante animação da Chipotle:

É interessante notar que o pequeno comercial do espantalho resgata, talvez, aquilo de que mais sentimos falta nos dias de hoje: o contato humano, as pequenas iniciativas para mudar o mundo ao nosso redor e até mesmo a vontade de fazer as coisas com amor e somente amor.

A internet não para de nos inundar com pessoas que “largaram tudo e seguiram os seus sonhos” mas, analisando de verdade, quantas dessas pessoas realmente saíram do sistema que as colocou em um rumo em que não eram felizes?

Será que a mudança, longe de ser uma voz que se levanta acima de todas as outras clamando por justiça e liberdade, não é formada por pequenas atitudes para com o mundo e as pessoas à nossa volta?

Minha barba. Minha vida.