Parece que foi ontem, mas já se passaram quinze anos da estreia do filme “Being John Malkovich”, traduzido para português como “Quero ser John Malkovich”. Com ousado roteiro de Charlie Kaufman e magistralmente dirigido por Spike Jonze, o filme narra a história de Craig Schwartz, um desempregado que descobre um pequeno portal que leva até à mente de John Malkovich. O próprio ator, John Malkovich, interpretando ele mesmo, entra na história, dando origem a um enredo metalinguístico e surreal, que surpreende todo e qualquer apreciador de um bom cinema: quem não se deixa seduzir por um brilhante jogo de espelhos onde vemos multiplicar o Malkovich do Malkovich do Malkovich? Este desejo de ser Outro nos remete aos estudos do psicanalista Jacques Lacan para quem “o desejo do homem encontra seu sentido no desejo do outro, não tanto porque o outro detenha as chaves do objeto desejado, mas porque seu primeiro objeto é ser reconhecido pelo outro”.

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Spike Jonze desafiou o ator a interpretar ele mesmo e, agora, o fotógrafo norte americano Sandro Miller propôs ao ator um novo desafio: ser vários “personagens”, iconizados em célebres fotografias. Como Miller queria homenagear os “mestres” que o inspiraram ao longo da carreira, recorreu ao camaleônico John Malkovich, com quem já tinha trabalhado em outras ocasiões. Os dois recriaram algumas das imagens mais famosas da história da linguagem visual. Do auto-retrato de Andy Warhol à fotografia que Korda tirou de Che Guevara, passando por Marilyn Monroe, Ernest Hemingway, Albert Einstein, Salvador Dalí, Alfred Hitchcock, John Lennon, Albert Einsten, Pablo Picasso, entre outros.

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O ambicioso projeto começou há dois anos quando Sandro Miller, com trabalho reconhecido na área da publicidade, quis prestar homenagem ao seu mentor, Irving Penn, recriando o retrato que aquele fez de Truman Capote. Miller então percebeu que o seu amigo John Malkovich partilhava traços de semelhança com Capote. Desde então, as imagens multiplicaram-se e a Capote seguiram-se muitos outros retratos.

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Miller comenta: “Para mim, John é bonito, uma tela em branco pronta para ser pintada. Ele nunca tem medo e está sempre disposto a ir a lugares que a maioria dos atores de calibre evita. A sua vontade de se vestir e de se tornar objeto de algumas das imagens mais icônicas do mundo é uma verdadeira dádiva. Eu sugiro-lhe um estado de espírito ou uma ideia e, em pouco tempo, ele literalmente transforma-se na personagem”.

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O projeto vai dar origem à exposição, “Malkovich, Malkovich, Malkovich: Homage to Photographic Masters” (O título remete a uma brincadeira intertextual com o filme de Spike Jonze), que abrirá ao público a 7 de Novembro (e até 31 de Janeiro) na Galeria Catherine Edelman, em Chicago. Vamos torcer para que esta instigante exposição, aproveitando o momento em que o Brasil se torna um atraente pólo de investimento cultural, venha para São Paulo para podermos, através dela, entender os versos de Mario de Andrade, que tão bem ilustram a ideia da exposição:

“Eu sou trezentos, sou trezentos e cinquenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo…
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.”

IMG_0245João Carlos Gonçalves (Joca)
Doutor em Linguagem e Educação pela USP; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada na ESPM.

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