Aleksandr Sokurov é um cineasta russo nascido em 14 de Junho de 1951 na cidade de Podorvikha, na região da Sibéria.

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Sokurov se formou no departamento de história da Nizhny Novgorod University no ano de 1974 e no ano seguinte entrou para um dos estúdios da VGIK, onde conheceu Andrei Tarkovsky, um dos mais renomados cineastas russos. Os dois ficaram amigos e Sokurov afirma que o filme O Espelho (1975), de Tarkovsky, exerceu enorme influência sobre ele.

A maioria de seus primeiros trabalhos foi banida por autoridades soviéticas e nessa época ele produziu alguns documentários como o Diálogos com Solzhenitsyn. Seu filme Dolorosa Indiferença foi indicado ao Urso de Ouro no Festival de Berlim de 1987.

Seu primeiro filme aclamado internacionalmente foi Mãe e Filho (1997), tendo sido premiado no Festival Internacional de Cinema de Moscou. Esse filme teve uma espécie de continuação em 2003 com Pai e Filho, recebendo algumas críticas negativas por sua faceta homoerótica (apesar de o cineasta ter criticado essa interpretação). Ambos os filmes abordam a relação familiar, seus traumas, suas reminiscências e o amor que nutrem uns pelos outros.

Um dos seus filmes de maior repercussão é Arca Russa (2002). Nele, Sokurov retrata a alma e a aura do palacete do Hermitage, em São Petesburgo, um dos maiores museus do mundo. O filme foi feito em um único plano-sequência de 97 minutos, sem nenhum corte. Ele atravessa 35 salas do museu e transforma a tela em um quadro por onde passam importantes personalidades históricas da Rússia.

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Frame do filme “Arca Russa” (2002)

 

A Tetralogia do Poder

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A tetralogia de Sokurov é um estudo sobre a corruptiva natureza do poder e as implicações dele sobre os humanos. Os três primeiros capítulos abordam cada um uma figura ditatorial do século XX, primeiro Adolf Hitler, seguido de Lênin e Hirohito. Seu fim veio há 3 anos atrás com Fausto (único filme a ser exibido no circuito brasileiro de cinemas), inspirado no clássico de Goethe. Abaixo falamos um pouco sobre cada capítulo dessa incrível obra que levou 12 anos para ser concluída.

Moloch (1999)

Moloch é o nome de uma maléfica divindade associada a sacrifícios humanos e adorada por culturas antigas. Nesse filme, Eva Braun, nos Alpes da Bavária, recebe o Führer que vem acompanhado de Joseph Goebbels, ministro da propaganda, e Martin Bormann, seu assessor. Ambientado na primavera de 1942, a ordem no local é não tocar no assunto da guerra. Eva não suporta a hipocondria de seu amante, seus discursos absurdos tampouco, mas sabe que é impossível competir com a atenção ao Reich. Eva Braun é a única que ousa contradizer Hitler e a única que pode compreendê-lo.

Moloch é um filme que nos deixa desnorteados porque Sokurov pegou um monstro, um insano e conseguiu transformá-lo em uma figura ínfima, infantil e ridícula. Hitler é enquadrado defecando durante uma caminhada, é submisso à Eva e bastante histérico. O poder, aqui, é uma passagem pela qual a loucura pode ser materializada.

Abaixo, o trailer do filme.

 

Taurus (2001)

O filme é centrado nos últimos momentos da vida de Lênin, retratando de maneira extremamente sensível sua perplexidade ao encarar a morte, a figura que mudou o curso da história e abalou o mundo está sentado em uma casa cedida pelo Estado esperando pelo fim, solitário. Vigiado e rodeado de estranhos nesse lugar que se assemelha a um museu, o corpo impotente do líder soviético vê sua consciência se apagar, mas Vladimir Ilitch Ulianov (o nome verdadeiro de Lênin) ainda finca as últimas garras que pode no poder, recusando-se a abandoná-lo. Apenas sua mulher está ao seu lado e seu sucessor, Stálin, o assombra. Sokurov comenta: “A tragédia que posteriormente tomaria conta da Rússia e os acontecimentos que levaram a esta situação-limite não estão entre as preocupações deste filme. Em primeiro plano está o autor, compositor e regente desta catástrofe, em um dos mais dramáticos momentos de sua vida.”

Sokurov também nos mostra, nesse filme, que não existe líder, estado ou força impassível do poder do tempo. Abaixo, o trailer do filme.

 

O Sol (2006)

No dia 15 de Agosto do ano de 1945, os japoneses ouvem pela primeira vez a voz de seu imperador, Hirohito (que governou o Japão de 1926 até a sua morte em 1989), exortando seu exército e povo a colocar fim às hostilidades. Isso permite que os estadunidenses desembarquem nas ilhas japonesas sem encontrar resistência e ajudem a salvar muitas vidas. Os vencedores da guerra demandam que o imperador compareça diante do general McArthur, comandante das tropas ianques no Pacífico, e é nesse encontro que será decidido o futuro do Japão e do próprio imperador.

Hirohito nesse filme é desmistificado e humanizado (muitos criam que o imperador era uma divindade), ao mesmo tempo que a humanização implica no rebaixamento de um ser à condição humana. Os erros, os medos e inseguranças são sentimentos inconcebíveis a um deus. A decisão de um líder ao aceitar a derrota para os “mortais” e a bomba de Hiroshima que destruiu muito do orgulho e amor-próprio de seu povo compõem parte da personalidade dessa figura frágil que acaba, muitas vezes, na mão de serviçais para recordar seus compromissos e até para se vestir. Hirohito tem inúmeros tiques e modos confusos, é alguém com o poder tão incrustado em si que, ao perdê-lo, por si só protagoniza uma grande tragédia.

Abaixo o trailer do filme.

 

Fausto (2011)

Levemente (quase nada) inspirado na obra de Goethe, Fausto é um rebelde, um pioneiro e um pensador, mas também um humano anônimo feito de carne e governado por cobiça e luxúria. Em troca da promessa de dinheiro e da mulher que ele deseja, Fausto é manipulado por Mefistófeles. Sokurov cria todo um universo e uma atmosfera para abandonar sua personagem, uma refém da própria genialidade, à fatalidade. Num misto de beleza e horror, esse filme completa a tetralogia do diretor.

Abaixo, o trailer do filme.

Ao fechar a obra, Fausto ilumina os grandes líderes do século XX. Hitler, Lênin e Hirohito, foram simplesmente seduzidos por um poder que escorreria pelo ralo das mãos. Seja por assassinar milhares de pessoas, trocar a riqueza das mãos da burguesia para um proletário empobrecido ou vingar e fazer valer a honra de seus compatriotas, esses líderes foram incapazes de vencer o implacável tempo e a morte. A supremacia ariana é uma grande piada, a batalha comunista perde espaço a cada dia e não existem divindades de qualquer nação que seja. Goethe também retratou esse sentimento na intransigência de seu protagonista que buscava dominar o conhecimento. Sokurov impõe a humanidade nesses homens que foram elevados a uma condição sobre-humana, mas que nunca deixaram de ser simples marionetes nas mãos do poder.

Sai sempre de casa com uma palheta, uma câmera e um livro.